sexta-feira, 24 de maio de 2013

Resenha: A Máquina de Madeira - Miguel Sanches Neto


Sinopse: Uma enorme máquina taquigráfica chega ao Rio, vinda numa embarcação do Recife. Quem acompanha o desembarque é seu criador, o padre Francisco João de Azevedo. A máquina é uma das revoluções do século XIX. Com ela, sermões e discursos poderão ser transcritos com agilidade até então desconhecida, como que num registro do próprio progresso brasileiro. É um momento de ebulição nas ciências nacionais. Dezenas de inventores se agrupam no prédio da Exposição Universal, que receberá a visita do Imperador D. Pedro II e de investidores do mundo todo. Nas ruas, a expectativa de um salto industrial e econômico para o Brasil. Neste romance histórico, o escritor Miguel Sanches Neto usa a trajetória do padre Azevedo, precursor da máquina de escrever, para narrar a formação da identidade de um país.

Padre Francisco João Azevedo enxergava um futuro para o Brasil. Além de enxergar, ele ansiava... apesar de a ignorância e a limitação de evolução serem gigantes na população de Recife do século XIX.

''- Tudo que é bom vem de fora. A família real veio de onde? Até a mão de obra para as lavouras e para os demais serviços é da África ou da Europa. Não precisamos perder tempo para fazer o que os outros países fazem melhor. É só trazer para cá. De onde é a família do senhor?
- De Portugal.
- Não estou dizendo? O brasileiro não existe. Eu não sou brasileiro, o senhor também não. Os negros que trabalham aqui são menos brasileiros que nós. Não é o caso dos índios, estes talvez até sejam brasileiros, mas desconhecem a civilização. O que temos de bom vem de fora. Nós somos só um porto que recebe pessoas e produtos estrangeiros. Trabalho aqui a quarenta anos. Sei o que falo.'' Pág. 18

Dividida em duas partes distintas, o livro é narrado por perspectivas diferentes de um futuro fora do Brasil. Na primeira parte denominada Londres, o autor narra em primeira pessoa a chegada do padre no Rio de Janeiro para uma exposição que terá assim como outras invenções, sua recente e orgulhosa criação: Uma máquina de escrever, que se tivesse um grande prestígio na exposição, teria destaque em outra exposição em Londres (que era de fato, o objetivo do padre). 

Não conseguindo o sucesso desejado, e o devido valor por conta do império, João Azevedo vê seu sonho ficando um pouco mais distante. Pergunta: o sonho de um Brasil melhor ou o sonho do prestígio de seu invento? Creio que ambos. 

''Era aquele o momento de glória tão longamente aguardado? Anos de trabalho para uns minutos de reconhecimento frio? Imaginava que o imperador, cultuado por sua curiosidade, fosse querer sentar-se a máquina e escrever alguma coisa. Não era autor de sonetos? Poderia tentar compor um deles com o auxílio do inventor. Vendo o grupo se mover, em conversas sobre vários assuntos, que nada tinham a ver com os inventos, o padre sentiu uma vergonha muito grande. Vergonha de ter imaginado que sua máquina produziria admiração e que todos gostariam de falar com ele, para conhecer como chegara àquela ideia e os melhoramentos que pretendia fazer para tornar a escrita mais veloz.'' Pág. 81

Na segunda parte denominada Nova York, o autor mostra a desvalorização da nacionalidade mostrando o quanto o Padre foi enganado até perder sua criação para um americano que ''criou'' o primeiro modelo de máquina de escrever em estilo industrial, dando ao que nós conhecemos hoje o grande sucesso na época. 

Cheio de tapas na cara e com um modelo de escrita onde o leitor questiona uma quantidade infindável de ''se'', Miguel Sanches Neto nos conta e nos mostram personagens como ele mesmo diz: de um Brasil que queria dar certo. 

Senti que lia dois livros parecidos devido a troca de partes. A primeira é narrada em terceira pessoa, sendo que a segunda é narrada maioria em primeira pessoa. O plano de fundo também ficou bastante diferentes, tendo em vista que a personagem almejava coisas parecidas mas diferentes ao mesmo tempo.

Percebi o que mais o autor quer nos passar: a tamanha passividade dos brasileiros ao deixar serem ultrapassados por outros países. Uma crítica cem por cento honesta, visto a grande potência que é hoje nosso país. (para os que levam tudo ao pé da letra: momento irônico). 

Apesar do autor ter escolhido a máquina de escrever para ilustrar o atraso e subestimação que o brasileiro tem com ele mesmo, exemplos não faltam para percebermos o quanto o Brasil começou atrasado, e o quanto essa série de fatores culminaram para hoje sermos o que somos. Refleti muito com o decorrer da leitura e a pergunta sem resposta que deixo no ar: ''E se tivesse sido diferente?''. 3 estrelas. Recomendo!

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